2 de out. de 2012

E o Espírito veio... sobre elas e sobre eles

Por Wallace de Góis Silva

Atos 1.1-11

Frida Vingren (1891-1940), missionária sueca e autora de 23 hinos da conhecida Harpa Cristã, hinário oficial de muitas igrejas pentecostais, era casada com Gunnar Vigren, que junto com Daniel Berg, fundaram a Missão da Fé Apostólica, no Brasil, hoje denominada Assembleia de Deus. Frida era mulher de destaque, corajosa e criativa. Além de compositora, era pastora, poetisa e “ensinadora”, em tempos em que as mulheres tinham ainda menos espaço no ministério do que hoje em dia.  Enquanto seu esposo, líder da igreja, estava doente (quase o tempo todo) e Berg, que não teve muito destaque nos anos inicias, ia para o trabalho secular, Frida assumiu a liderança daquela que viria a ser a maior denominação evangélica do país.
Entre os muitos homens que não gostavam que as mulheres ocupassem lideranças, estava o proeminente missionário sueco, Samuel Niström. Mas, Gunnar Vingren, que era seu amigo, se opôs a ele e decidiu apoiar o ministério feminino, que era considerado tão válido quanto o masculino, desde que fosse selado pelo Espírito Santo.
Em meio às discussões sobre a validade ou não da atuação feminina na igreja, Frida escreveu um artigo para o jornal da denominação, onde disse as seguintes palavras:

“Despertemo-nos, para atender o chamado do Rei, alistando-nos nas suas fileiras. As irmãs das "assembleias de Deus", que igualmente, como os irmãos têm recebido o Espírito Santo, e, portanto, possuem a mesma responsabilidade de levar a mensagem aos pecadores (...), em todas as partes do mundo, e especialmente no trabalho pentecostal, (...) tomam grande parte na evangelização. Na Suécia, país pequeno com cerca de 7 milhões de habitantes, existe um grande número de irmãs evangelistas, que saem por toda parte anunciando o Evangelho, entrando em lugares novos e trabalhando exclusivamente no Evangelho. Dirigem cultos, testificam e falam da palavra do Senhor onde há uma porta aberta.” (jornal Mensageiro da Paz, fevereiro de 1931).

Frida Vingren defendeu a participação feminina, e a chancela vem do Espírito Santo, que capacita para o ministério. O Espírito tem um papel muito importante na fé e na prática pentecostal, pois é ele quem dá as ferramentas necessárias ao ministério, através do batismo com Espírito Santo, marcado por uma experiência de fé que pode se manifestar em sinais visíveis de emoção, línguas desconhecidas, lágrimas, cânticos espontâneos, orações fervorosas, e às vezes, em risos.
No texto bíblico de Atos 1.1-11 há uma continuação do final do evangelho de Lucas. Esse capítulo relata a orientação que Jesus dá a seus seguidores para permanecerem em Jerusalém ainda alguns dias para esperar pela vinda histórica do Espírito Santo e serem batizados por ele. Na história dos judeus, sempre foi muito forte a crença no “messias” (ou Cristo), aquele que viria para restaurar a autonomia política, social e econômica dos descendentes de Israel, e traria paz a todos os seus habitantes. Desde que viram em Jesus a figura de um messias, entenderam que este tomaria o trono de Roma, o império que ocupava quase todo o mundo conhecido da época, e daria o controle a Israel, depois de ter provado que era o Filho de Deus vencendo a morte.  Os discípulos de Jesus o questionaram, pois, já estava para subir ao céu, e por isso estava se despedindo de seus discípulos. Mas Jesus disse que eles não deveriam se importar com o tempo em que eventos importantes como esse poderiam acontecer, mas sim com sua função de serem testemunhas em Jerusalém (onde estavam), Judeia (região onde ficava Jerusalém), Samaria (região vizinha) e até aos confins da terra, isto é, até ao último lugar conhecido, pelo domínio de Roma. Acreditamos que dessa forma o império romano seria confrontado por uma mensagem que fala do Reino de Deus, que traria a paz de verdade, que não está baseada no medo e na ameaça que Roma usava para manter a “pax”. Ela seria baseada no amor e na justiça. Ser uma testemunha de Jesus queria dizer que deveriam ir por todos os lugares anunciando que o Reino de Deus chegou, e Jesus Cristo, o filho de Deus, cumpriu sua missão para mostrar à humanidade que o Pai amou o mundo.
Depois disso, Jesus desaparece entre as nuvens, e enquanto os discípulos continuaram olhando para cima, o que pode significar que ainda não tinham entendido a sua partida precipitada, esperavam que Jesus fizesse seu papel de messias e desse a Israel a posição que julgavam ser de direito. Mas, dois homens de branco, a quem muitos entendem ser anjos, os interpelam: “Por que vocês estão aí olhando para o céu? Esse Jesus que estava com vocês e que foi levado para o céu voltará do mesmo modo que vocês o viram subir. (v. 11).” Em outras palavras, a atenção deles deveria ser na missão deles, aqui na terra, porque a parte de Jesus ele faria, quando ele voltar. Para isso, os discípulos receberiam o Espírito Santo, e que traria a eles a capacidade e a coragem de serem testemunhas de Jesus.
Saindo dali, os discípulos foram para Jerusalém, e se reuniram numa sala de oração (ou cenáculo) que ficava na parte de cima de uma casa, onde “eles sempre se reuniam todos juntos para orar com as mulheres, a mãe de Jesus e os irmãos dele.” (v. 14). Foi nesse local que escolheram o discípulo que iria substituir Judas, o traidor: Matias.
Nesse mesmo lugar, aconteceria um evento marcante que seria descrito no capítulo seguinte de Atos. O grande acontecimento se dá 50 dias após a páscoa, quando o Espírito Santo foi até o cenáculo, simbolicamente em forma de vento e de fogo, e encheu a todas as pessoas que estavam no lugar.
Sem entrar nas longas discussões sobre os conceitos de trindade, quando o Espírito vem, é como se trouxesse a essência de Cristo para a vida de seus seguidores e seguidoras. Jesus mesmo disse que o Espírito seria outro consolador, que no idioma bíblico original quer dizer “aquele que está ao lado” dos discípulos, uma vez que precisava partir. Quem está cheia/o do Espírito Santo reflete em seus atos e palavras aquilo que aprendeu com Jesus, e que pode ser resumido em duas atitudes: amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
Em um de seus hinos, composto durante um momento de decisão muito importante de sua missão, Frida Vingren diz: “Se Cristo comigo vai, eu irei; e não temerei, com gozo irei, comigo vai. É grato servir a Jesus, levar a cruz. Se Cristo comigo vai, eu irei!”. Quando Jesus disse que estaria com seus discípulos todos os dias (Mt 28.20), ele não mentiu. Por que ele vem, sempre que o Espírito vem. E virá novamente para apregoar o Reino de Deus, devolvendo a paz não somente aos israelenses, mas a toda a criação (Rm 8.22). Esse Reino do qual Jesus falou é muito diferente do reino que o Estado de Israel vem construindo hoje em dia, de maneira forçosa e egoísta.  O Reino de Deus é de paz e justiça, onde todas as nações, incluindo Israel, terão acesso a tudo que o amor de Deus tem para oferecer. Enquanto isso não acontece em escala mundial e perfeita, todas as discípulas e todos os discípulos de Jesus espalharão o amor de Deus aonde quer que forem, tanto em atitudes, como em palavras.

Sermão pregado no domingo, 23/09/2012, na Assembleia de Deus em Santo André.

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