Por Wallace Góis
Colossenses 1.13-29
No primeiro século, Colossos era uma colônia romana na atual Turquia. A igreja em Colossos foi fundada por Epafras (v. 7), companheiro de Paulo, e cresceu bastante numericamente. As reuniões ocorriam na casa de famílias como as de Ninfas e Arquipo (4.15, 17). Os cristãos de Colosso eram originalmente pagãos convertidos ao judaísmo, que depois recebiam o evangelho. Esse processo longo de mudança de religião fazia com que guardassem ensinamentos mistos. Dos pagãos, acreditavam na busca de intermediários que eram incluídos além ou no lugar de Jesus Cristo como anjos, autoridades, poderes, festas, conhecimentos esotéricos, e algum grau de ascetismo espiritual.
Jesus Cristo parecia figurar apenas como mais um entre tantas divindades. A carta de Paulo aos colossenses é uma resposta a esse tipo de pensamento. Os versículos de 15-20, do capítulo 1, eram um hino em louvor a Cristo, cantado pelos primeiros cristãos na cerimônias de batismo. Ele declara o senhorio de Cristo sobre o universo, sobre todo o cosmos: "tudo é por ele e para ele". Fazendo isso, deixa o caminho livre para estabelecer com o que devemos realmente nos preocupar, com a dimensão mais prática e concreta da nossa vida: nossa vida familiar, comunitária e social, sabendo que tudo que existe é por Ele e para Ele. Ocupar o pensamento com misticismos tira o foco da nossa tarefa principal como seguidores de Jesus, que é carregar em nosso corpo as marcas de seu sofrimento, isto é, fazer valer a vida que ele ensinou e derramou por nós.
Nossa vida deve ser uma expressão do Reino de Cristo, do senhorio dele sobre todo o universo. Precisa manifestar a diferença entre "império das trevas" (que na teologia de Paulo são sistemas opressores e corruptos do mundo, influenciados ou confundidos com o próprio Satanás) e o "reino do filho de Deus". Ele é o cabeça da igreja, ela é seu corpo. Por meio dela ele se move e age no mundo. Por outro lado, ao mesmo tempo que ser parte de seu corpo é um privilégio que aceitamos de bom grado e voluntariamente, é uma responsabilidade que invade o nosso ser por completo - ou pelo menos deveria.
Paulo, escrevendo para essa comunidade, afirmou que se tornou ministro do evangelho em questão, da mensagem de que Jesus Cristo reina sobre todas as coisas e que doou sua vida por nós, para restabelecer nosso relacionamento com Deus e com o próximo, com a criação. Ministro é servo. Não é uma posição de prestígio ou cargo de negociação política, mas sim de exemplo pelo serviço, pela abnegação que, no caso de Paulo, significava até mesmo sofrer pelo evangelho propriamente dito ou por servir à comunidade de fé a quem se dirigia, por exemplo.
O evangelho traz uma mensagem sobre a atuação do reino enquanto força viva, poder e graça de Deus que agem no mundo através de seus súditos. Relendo o presbiteriano estadunidense Richard Shaull (1919-2002), que era sensível aos problemas sociais e não ignorava a situação humana, e que serviu como missionário no Brasil, podemos compreender mais sobre A responsabilidade dos cristãos na política. Nesse texto, de 1953, já alertava: "Se eu realmente creio que Jesus Cristo me chamou para amar, preciso compreender, com clareza, que isto envolve uma dinâmica participação da política". Os tempos atuais exigem que recuperemos o alcance do evangelho a todas as áreas da existência humana, partindo do pressuposto de que Jesus Cristo, em quem habita a plenitude da divindade, é o nosso Senhor. Vejamos:
1. O que o reino de Deus tem a ver com a política?
No Novo Testamento se sobressaem duas imagens básicas do Estado. Nos escritos de Paulo e nas falas de Jesus, por exemplo, ele é poder instituído por Deus, autoridade a ser obedecida e honrada e por quem devemos orar. Ele garantia o desenvolvimento e a segurança. Mesmo assim, ele é assimilado como "império das trevas", ou como "covil de raposas", nas palavras de Jesus. No Apocalipse, o mesmo império e seus sistemas aparece como uma força demoníaca, com características monstruosas de uma "besta que emerge do mar", porque perseguia os cristãos e judeus (ainda minorias), promovia guerras e a exploração dos que já eram pobres para favorecer os ricos. Os governos humanos da história parecem facilmente transitar entre a justiça e a bestialidade feroz.
O que fazer então? É importante lembrar que os primeiros cristãos não tinham força para exercer influência sobre o governo. Restava-lhes orar, respeitar, obedecer. Pagar tributos e honrar as autoridades garantiria uma razão a menos para serem perseguidos (confessar Jesus Cristo como senhor ao invés do imperador romano já era razão suficiente!). Onde pudessem, porém, deveriam fazer a diferença: família, comunidade, cidade. Um detalhe interessante é que Paulo era versado na filosofia grega, que há mais de 500 anos já sabia que "idiōtēs" (de onde vem o sentido e a palavra "idiota") eram os que ignoravam a importância de se envolver com as coisas públicas, de se importar com os problemas de outras pessoas e do mundo em redor. Em outras palavras (fortes), "idiotas" não enxergam além de seu próprio umbigo!
Já os cristãos atuais têm muita influência (às vezes em excesso), inclusive na aprovação ou rejeição de leis. Como todo grupo da nossa sociedade, pode e deve ter sua representação nos espaços políticos. A prática mostra, infelizmente, que a maior parte dos nossos(?) que ocupa cadeiras nas assembleias legislativas ou no senado são defensores de suas próprias denominações, aproveitam-se das benesses da carreira política ou apenas buscam favores em época de eleição ou ao longo de mandatos com quem são coniventes.
Se, por um lado, as igrejas precisam lutar pelo seu direito de existência e expressão, não devem se esquecer que o Reino de Cristo promove valores universais como direitos humanos (ser humano é imagem de Deus) e dos pobres, que vão além do que preceitos que devem ser praticados e cridos por quem se torna cristão por escolha.
Com isso quero dizer que a intenção não deve ser a de transformar o Brasil num país cristão/evangélico, mas de fazer o que Cristo faria se estivesse em nosso lugar: cobrar das autoridades o direito, a justiça, principalmente para os mais excluídos. Como os profetas bíblicos, influenciar o estado a obedecer Àquele que o instituiu. A Igreja não deve se (con)fundir com o Estado, mas ser presente e coerente como os profetas no tempo da monarquia em Israel e Judá, que não se envolviam nos jogos de poder e anunciavam a Palavra de Deus com a autoridade que a coerência dá.
O pastor batista Marthin Luther King Jr. foi um exemplo de cristão que atuava, motivado pela fé, em favor da justiça, contra o racismo. O metodista Nelson Mandela arregaçou as mangas e por isso ficou muitos anos na prisão por ser contra o regime opressor e criminoso que imperava na África do Sul.
Muitas oportunidades para novos Kings e Mandelas surgirem estão por aí: O bispo da Igreja de Deus em Cristo (COGIC), maior denominação pentecostal dos EUA, faz parte hoje do Conselho de Organizações Religiosas e Parceiras do governo Barack Obama. No Brasil, o bispo anglicano Flavio Irala, presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, foi convidado para compor o recém formado Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado "Conselhão". Como no ensino paulino, os cristãos não devem se preocupar com os mistérios do Universo distante, devem, isso sim, agir sabiamente naquilo que lhes compete e onde quer que estejam.
2. A ação do reino na comunidade, na família e na sociedade:
A Bíblia parece transmitir uma mensagem inequívoca: a presença ativa de Deus faz diferença. Seus servos são seus instrumentos. Deus, no entanto, não é um mero credo religioso ou uma divindade que apenas exige contemplação, admiração. Deus é amor, justiça, sabedoria. Não adianta uma família ou cidade inteiras assumirem uma religião se não assumirem ao Deus da "verdadeira religião", conforme Tiago (1.27) ensinou: "A religião que Deus, o nosso Pai aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo."
O reino de Deus deve abranger nossos familiares através do nosso testemunho e da nossa atitude de oração, de semear a paz, de incentivar o crescimento, de acompanhar nas situações tristes, independente de abraçarem ou não a nossa religião. O reino de Deus se reflete na educação dos filhos, irmãos, netos e no cuidado com os pais, mães, avós na velhice. Nossa ministração deve atingir, além dos cultos de domingo, às instâncias de decisão da nossa comunidade, município. Devemos servir na terra, como "cidadãos do céu", não como quem vive no céu, mas praticando "na terra" a vontade do "Pai nosso, que está nos céus".
3. A ação do reino em cada pessoa:
Por fim, vem aquilo que talvez pela regra viria primeiro. Ou talvez o que é o resultado de entender e seguir ao que dissemos acima. A ação do reino nos indivíduos, isto é, a atitude de Deus em nos tirar do império das trevas e nos colocar no reino do filho de seu amor, é chamada por muitos de nós de conversão, de nascer de novo. O Espírito de Deus transforma pessoas que estão sem esperança, presas pelos próprios pecados (dando voltas em torno do próprio umbigo) e pelos pecados de outros (sim, o pecado influencia todas as áreas da vida e prejudica as pessoas ao redor). O convite do evangelho é para uma nova vida, para viver o reino de Deus intensamente. As prisões do diabo, dos sistemas corruptos e opressores do mundo, do egoísmo, da desigualdade, das intolerâncias são destruídas para vivermos o amor de Deus, que a tudo reconciliou através de Jesus Cristo.
Deus não precisa ser feito rei. Jesus Cristo não precisa ser coroado. Ele já reina sobre tudo e todos. Cabe a seus seguidores, aos que pela graça foram feitos filhos de Deus, viverem de acordo com essa verdade. Que o reino dele apareça em nós, transborde em nós, e a partir de nós se espalhe como perfume sobre tudo que tocarmos.
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