28 de mar. de 2016

Cear com o Ressuscitado é participar de sua missão

Por Wallace Góis



João 21.1-17

Jesus, ressuscitado, se manifestou a seus discípulos ao redor do mesmo lago onde trabalhavam antes de serem convidados para deixarem suas redes e seguirem-no. Nesse lago, viveu com eles várias experiências: andou sobre as águas, acalmou a tempestade, providenciou uma pesca maravilhosa; em seu entorno, pregou o célebre sermão do Monte, devolveu dignidade a um “gadareno”, operou por duas vezes a multiplicação dos pães e dos peixes. Porém, o chamado “mar da Galileia” ou “de Genesaré” pelos judeus, no capítulo final de João é referido por seu nome oficial: “Tiberíades”. De fato, é um lago com proporções dignas de ser considerado mar.

Nessa porção das Escrituras, os discípulos já não são apenas doze: agora eles são muito mais, são sete! Calma, eu explico. Se contarmos com as informações que temos, o total deveria ser onze, porque Judas Iscariotes traiu sua própria fé e, por isso, desistiu de viver. Mas, essa não é a matemática do texto. Os doze representavam cada uma das doze tribos de Israel; no entanto, agora são sete porque não representam mais, exclusivamente, apenas uma nação, um povo. O sete é o número que representa todas as gentes e nações. Assim como Deus só completou seu trabalho de criação descansando no sétimo dia, a plenitude do trabalho de Cristo em seu discipulado – isto é, na recriação da humanidade – é representada pelo número sete. Da mesma forma, o nome Tiberíades mostra que o círculo de alcance missionário está se ampliando para o mundo, para muito além do pequeno espaço do judaísmo e suas tribos. A humilde Galileia era, certamente, ponto de partida, mas os confins da terra seriam o limite.

Os discípulos pescaram durante a noite, mas nada pegaram. Jesus apareceu perto do amanhecer – aquele que vem depois de uma longa noite de tristeza (Sl 30.5) – mas, à princípio não foi reconhecido. Pediu algo para comer, mas não tinham. Mesmo assim foi prestativo e, como era costume dos pescadores (e ainda é por lá e em muitos outros lugares), alguém ficava em pé observando os cardumes e dava as coordenadas de longe. Na verdade, a palavra de Cristo sempre foi e continua sendo a orientação para que a igreja seja eficaz em sua missão.

Parece que aqui não houve apenas uma pesca milagrosa. Mais do que um feito extraordinário que marcaria a história, Jesus entrou na vida cotidiana daqueles homens cansados e decepcionados e mostrou esperança. O fato de estar vivo, já era milagre mais que suficiente. Mas, quem sabe, foi algo em seu jeito de falar, em sua postura de pastor que ama e guia seus discípulos, que fez com que João, o discípulo amado, reconhecesse seu mestre. O amor é, sem sombra de dúvida, o sinal que identifica Jesus e também a seus discípulos. 

Imediatamente, Pedro se vestiu e lançou-se no mar, só para ir ao encontro de Jesus. Por estar a cerca de cem metros, deve ter tido que nadar um pouco, mas óbvia e inevitavelmente, se molhou... Isso nos lembra de quando ele tentou andar sobre as águas: caminhar em direção a Jesus continua sendo um esforço e mesmo um risco, mas, acima de tudo, é um ato de fé. Os outros voltaram com o barco, logo depois.

Quando pisaram na terra, viram que Jesus já estava adiantando um café da manhã. Nada gourmet, mas, essencialmente, o alimento mais básico: o pão, acompanhado de algo comum nos arredores de um lago: peixes. Para o meu gosto, parece algo muito apetitoso. A companhia, então, nem se fala! O mestre, porém, pediu a eles uma contribuição: “tragam um pouco dos peixes que vocês pescaram”. Ao contarem os peixes, o total era 153. A apuração era necessária para que fosse feita a partilha, pois o trabalho em conjunto também era uma sociedade. Da mesma forma, o reino de Deus acontece no compartilhar de nossos recursos. Apesar de serem tantos, a rede não se rompeu: quer dizer, quando há comunhão e amor, há espaço para todos na igreja. A comunidade, que é a rede, não se rompe, pelo contrário, amplia seu espaço para permitir a multiplicação. Há quem diga que o número também guarde um significado simbólico relacionado a isso.

Ao redor da fogueira, Jesus ceou com seus discípulos. Àquela altura, ninguém mais duvidava que ele era, de fato, o Senhor. Naquela ceia não tinha vinho por causa do horário, mas o sangue de sua nova aliança já pulsava no coração de seus discípulos. E continua a pulsar: todas as vezes que fazemos isso em sua memória, anunciamos a sua morte até que ele venha. Renovamos o compromisso com a missão que ele nos deixou, nos lembramos que precisamos compartilhar, para que a ceia não seja tomada indignamente, isto é, com hipocrisia (1Co 11.17-34).

Após a refeição, a conversa continuou. João já havia demonstrado que amava seu Senhor. Agora o desafio se dirigia a Pedro: “Se você me ama, cuide das minhas ovelhas”. O resultado de um encontro tão simples e ao mesmo tempo tão maravilhoso não poderia ser diferente. Aquela reunião, que era símbolo da ruptura da noite triste por um amanhecer feliz ao redor da fogueira, e da superação da tristeza da morte por um café ao lado de Jesus Cristo, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, certamente resultaria em comissionamento. Assim como o profeta Isaias (6.1-9), que depois da visão que teve no templo disse “eis-me aqui”, Pedro repetiu três vezes que amava a Jesus. Sim, o mesmo Pedro que outrora negou a Jesus, três vezes! Os serafins da visão cantavam “Toda a terra [e não apenas o templo] está cheia da glória de Deus”; o encontro do Senhor com os sete no Tiberíades – e não no mar galileu – dizia novamente que Deus não está restrito a um espaço geográfico e nem a um grupo seleto de pessoas que vivem apenas para si mesmas, mas Ele está em missão no mundo!


Sermão pregado na ICPB São Bernardo no dia 27/03/2016, por ocasião do domingo de Páscoa.

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