Por Wallace Góis
João 21.1-17
Jesus, ressuscitado, se
manifestou a seus discípulos ao redor do mesmo lago onde trabalhavam antes de
serem convidados para deixarem suas redes e seguirem-no. Nesse lago, viveu com
eles várias experiências: andou sobre as águas, acalmou a tempestade, providenciou
uma pesca maravilhosa; em seu entorno, pregou o célebre sermão do Monte, devolveu
dignidade a um “gadareno”, operou por duas vezes a multiplicação dos pães e dos
peixes. Porém, o chamado “mar da Galileia” ou “de Genesaré” pelos judeus, no
capítulo final de João é referido por seu nome oficial: “Tiberíades”. De fato,
é um lago com proporções dignas de ser considerado mar.
Nessa porção das
Escrituras, os discípulos já não são apenas doze: agora eles são muito mais,
são sete! Calma, eu explico. Se contarmos com as informações que temos, o total deveria ser onze, porque Judas Iscariotes traiu sua própria fé e, por isso,
desistiu de viver. Mas, essa não é a matemática do texto. Os doze representavam
cada uma das doze tribos de Israel; no entanto, agora são sete porque não
representam mais, exclusivamente, apenas uma nação, um povo. O sete é o número
que representa todas as gentes e nações. Assim como Deus só completou seu
trabalho de criação descansando no sétimo dia, a plenitude do trabalho de
Cristo em seu discipulado – isto é, na recriação da humanidade – é representada
pelo número sete. Da mesma forma, o nome Tiberíades mostra que o círculo de
alcance missionário está se ampliando para o mundo, para muito além do pequeno
espaço do judaísmo e suas tribos. A humilde Galileia era, certamente, ponto de
partida, mas os confins da terra seriam o limite.
Os discípulos pescaram
durante a noite, mas nada pegaram. Jesus apareceu perto do amanhecer – aquele
que vem depois de uma longa noite de tristeza (Sl 30.5) – mas, à princípio não
foi reconhecido. Pediu algo para comer, mas não tinham. Mesmo assim foi prestativo
e, como era costume dos pescadores (e ainda é por lá e em muitos outros
lugares), alguém ficava em pé observando os cardumes e dava as coordenadas de
longe. Na verdade, a palavra de Cristo sempre foi e continua sendo a orientação
para que a igreja seja eficaz em sua missão.
Parece que aqui não houve
apenas uma pesca milagrosa. Mais do que um feito extraordinário que marcaria a
história, Jesus entrou na vida cotidiana daqueles homens cansados e
decepcionados e mostrou esperança. O fato de estar vivo, já era milagre mais
que suficiente. Mas, quem sabe, foi algo em seu jeito de falar, em sua postura
de pastor que ama e guia seus discípulos, que fez com que João, o discípulo
amado, reconhecesse seu mestre. O amor é, sem sombra de dúvida, o sinal que identifica
Jesus e também a seus discípulos.
Imediatamente, Pedro se vestiu e lançou-se no mar, só para ir ao encontro de Jesus. Por estar a cerca de cem metros, deve ter tido que nadar um pouco, mas óbvia e inevitavelmente, se molhou... Isso nos lembra de quando ele tentou andar sobre as águas: caminhar em direção a Jesus continua sendo um esforço e mesmo um risco, mas, acima de tudo, é um ato de fé. Os outros voltaram com o barco, logo depois.
Imediatamente, Pedro se vestiu e lançou-se no mar, só para ir ao encontro de Jesus. Por estar a cerca de cem metros, deve ter tido que nadar um pouco, mas óbvia e inevitavelmente, se molhou... Isso nos lembra de quando ele tentou andar sobre as águas: caminhar em direção a Jesus continua sendo um esforço e mesmo um risco, mas, acima de tudo, é um ato de fé. Os outros voltaram com o barco, logo depois.
Quando pisaram na terra,
viram que Jesus já estava adiantando um café da manhã. Nada gourmet, mas,
essencialmente, o alimento mais básico: o pão, acompanhado de algo comum nos
arredores de um lago: peixes. Para o meu gosto, parece algo muito apetitoso. A
companhia, então, nem se fala! O mestre, porém, pediu a eles uma contribuição:
“tragam um pouco dos peixes que vocês pescaram”. Ao contarem os peixes, o total
era 153. A apuração era necessária para que fosse feita a partilha, pois o
trabalho em conjunto também era uma sociedade. Da mesma forma, o reino de Deus
acontece no compartilhar de nossos recursos. Apesar de serem tantos, a rede não
se rompeu: quer dizer, quando há comunhão e amor, há espaço para todos na
igreja. A comunidade, que é a rede, não se rompe, pelo contrário, amplia seu
espaço para permitir a multiplicação. Há quem diga que o número também guarde um
significado simbólico relacionado a isso.
Ao redor da fogueira,
Jesus ceou com seus discípulos. Àquela altura, ninguém mais duvidava que ele era, de fato, o Senhor. Naquela ceia não tinha vinho por causa do horário, mas o sangue de sua
nova aliança já pulsava no coração de seus discípulos. E continua a pulsar:
todas as vezes que fazemos isso em sua memória, anunciamos a sua morte até que
ele venha. Renovamos o compromisso com a missão que ele nos deixou, nos
lembramos que precisamos compartilhar, para que a ceia não seja tomada indignamente,
isto é, com hipocrisia (1Co 11.17-34).
Após a refeição, a conversa continuou. João já havia demonstrado que amava seu Senhor. Agora o desafio se dirigia a Pedro: “Se você me ama, cuide das minhas ovelhas”. O resultado de um encontro tão simples e ao mesmo tempo tão maravilhoso não poderia ser diferente. Aquela reunião, que era símbolo da ruptura da noite triste por um amanhecer feliz ao redor da fogueira, e da superação da tristeza da morte por um café ao lado de Jesus Cristo, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, certamente resultaria em comissionamento. Assim como o profeta Isaias (6.1-9), que depois da visão que teve no templo disse “eis-me aqui”, Pedro repetiu três vezes que amava a Jesus. Sim, o mesmo Pedro que outrora negou a Jesus, três vezes! Os serafins da visão cantavam “Toda a terra [e não apenas o templo] está cheia da glória de Deus”; o encontro do Senhor com os sete no Tiberíades – e não no mar galileu – dizia novamente que Deus não está restrito a um espaço geográfico e nem a um grupo seleto de pessoas que vivem apenas para si mesmas, mas Ele está em missão no mundo!
Sermão pregado na ICPB São Bernardo no dia 27/03/2016, por ocasião do domingo de Páscoa.
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