Por Wallace Góis
Amós 5.14a, 15a, 21-24
Muitas pessoas amam a ideia de justiça, mas poucas praticam.
Este é um risco constante com o qual nos deparamos.
Por isso o discurso dos profetas menores era duro, apesar de sucinto. Amós não era um profeta comum, era pastor de ovelhas e de vacas, além de cultivador de sicômoros (uma espécie de figos). Ele não fazia parte de uma escola de profetas, não tinha isso como profissão por pertencer à classe de profetas. Talvez nenhum pai gostaria que o filho fosse um profeta, por causa da rejeição que eles sofriam. A sensibilidade no cuidado das ovelhas e a percepção de como lidar com esses animais dependentes, teimosos, ingênuos e ingratos geraram nele a sabedoria e a experiência necessária para lidar com um povo que tinha essas mesmas características.
Por isso o discurso dos profetas menores era duro, apesar de sucinto. Amós não era um profeta comum, era pastor de ovelhas e de vacas, além de cultivador de sicômoros (uma espécie de figos). Ele não fazia parte de uma escola de profetas, não tinha isso como profissão por pertencer à classe de profetas. Talvez nenhum pai gostaria que o filho fosse um profeta, por causa da rejeição que eles sofriam. A sensibilidade no cuidado das ovelhas e a percepção de como lidar com esses animais dependentes, teimosos, ingênuos e ingratos geraram nele a sabedoria e a experiência necessária para lidar com um povo que tinha essas mesmas características.
Passei a compreender melhor a linguagem do profeta quando
estive no cenário onde tudo isso aconteceu. Lembro-me de ter ouvido o palestino
Abu Saqer, pastor de ovelhas que morava em Al Hadidia, uma comunidade de
beduínos no Vale do Jordão, que não tinha permissão do governo de Israel para
construir casa de alvenaria. Seu jeito de falar e lucidez iam além de sua aparência
simples e de sua falta de formação: seus 36 anos como cuidador de ovelhas e a
experiência de liderar uma comunidade davam a ele uma sabedoria sem igual. Era
flexível com o que julgava ser possível e, ao mesmo tempo, um profeta contra a
injustiça. Disse que já não se importava mais se o presidente seria um
palestino ou um israelense, ou se haveria um ou dois estados, desde que seus
direitos mais básicos fossem garantidos como água, alimento, trabalho, escola.
Seu tom de denúncia e a idoneidade de sua conduta faziam dele um perfeito
profeta.
No texto bíblico indicado, o profeta Amós fala primeiro de
praticar o bem em lugar do mal, e enfatiza a necessidade de aborrecer ou odiar
o mal. Vejo nesse ponto que a prática do bem deve ser acompanhada não só da
indiferença pelo mal, mas por um ato de rejeição a ele. Praticar o bem deve ser
uma decisão de ir contra tudo o que é mal, é fazer denúncia e oposição ativa a
ele.
Nesse contexto ele fala de justiça. Justiça é mais do que a
caridade que vemos no mundo ocidental, em que o que tem ajuda quem não tem. Muito
menos se trata de “fazer justiça com as próprias mãos” no sentido de aplicar a
vingança. A justiça da qual os profetas falavam é motivada pela prática do amor
que Jesus Cristo também ensinou, e se trata de um mandamento, de uma ação, e
não necessariamente de um sentimento. A justiça bíblica é tornar a própria vida
e tudo ao redor o mais próximo possível da vontade de Deus, e fazer isso como
compromisso, como meta de vida, com ou sem um coração movido a isso. É claro
que o amor e a justiça, quando exercitados, passam a mover tudo em nós, até
mesmo os sentimentos.
Um bom exemplo é o da missionária Ester Valim, que atua como
enfermeira e coordena projetos de educação para as crianças no Sudão do Sul, o
país mais pobre do mundo e, portanto, onde a injustiça reina. Por isso há
guerra no Sudão, porque onde há injustiça não há paz. O sábio profeta Isaías já
afirmava que o fruto da justiça será a paz (Isaias 32.16 e 17).
O trabalho missionário da Ester é prática da justiça,
pois devolve às crianças um direito que lhe foi roubado pela injustiça. Fazer
justiça é mais do que dar comida, é criar formas de dar dignidade aos seres
humanos, pois eles são imagem de Deus. Situação semelhante provocou o clamor de
Amós no passado, e das crianças da comunidade palestina do Abu Saqer. Apoiar
projetos como estes não deve ser uma iniciativa de solidariedade pelo natal,
mas um exercício constante da justiça.
Fazer a justiça correr como um rio é fazer com que a vontade
de Deus passe por terrenos ermos da maldade, pobreza, opressão, desesperança, degradação
humana, guerra e transforme tudo em justiça, ou seja, como Deus gostaria de ver.
Nas palavras do profeta, fazer diferente disso ou tentar substituir com ofertas provoca em Deus uma
rejeição até mesmo pelos mais sagrados sacrifícios, que enfeitam um culto
hipócrita para amenizar o peso da culpa, mas que não significa mudança de atitude
ou verdadeiro arrependimento.
O Deus que se manifestou a Moisés no deserto (Êxodo 33), ao
invés de mostrar sua glória (o que poderia mata-lo e não passar de um ato
contemplativo, passivo), escolheu mostrar suas costas e derramar (outras
traduções dizem "fazer passar diante") toda a sua bondade, ou seja, Moisés
deveria segui-lo, imitá-lo para servir de espelho para o povo que guiaria, diante do qual
deveria ser um exemplo de justiça.
Isso fica mais claro nas palavras de Miqueias (6.8), que resume a conduta esperada de nós para cumprir
a vontade a Deus em três pontos práticos: praticar a justiça, amar a
misericórdia e andar humildemente com Deus.
Nossa missão no mundo, como discípulos/as de Jesus, justificados/as por Cristo em sua graça e salvação, é fazer a justiça correr como um rio,
inundar as cidades, as pessoas, o mundo. Agir pelo poder do evangelho, de modo
a trazer vida, devolver a dignidade, restaurar a imagem de Deus nos seres
humanos e denunciar a maldade dos sistemas de morte. Como o sol que vai
nascendo até se tornar dia perfeito, o caminho do justo deve prosseguir até que
tudo seja consumado pela volta de Jesus, o sol da justiça, que nascerá no
horizonte.
Nas palavras de Eugene Cho, o alvo principal deve ser mais
do que apenas amar a ideia de justiça. As pessoas amam a ideia de muitas coisas
como, por exemplo, a de fazer exercícios ou ter uma dieta saudável. Apenas a
ideia... A justiça, porém, exige um compromisso, a prática. Meras ideias não
mudam nada. Por isso, que a justiça corra como um rio! E é isso que Deus está fazendo no mundo, que a gente não fique de fora.
Sermão de Wallace Gois, pregado na ICPB Santo André, 13 de dezembro de 2015, por ocasião do Natal Solidário.
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