14 de abr. de 2013

O olhar que cegou o sábio e abriu os olhos do governador

Por Wallace de Góis Silva
Atos 13.1-12

The Blinding of Elymas (Sketch for the Sistine Chapel) (Pre-Restoration)

A cegueira no judaísmo muitas vezes era atribuída a uma maldição divina como castigo pela rebeldia ou desobediência da pessoa ou de seus pais. A tradição judaica chegava a dizer que mesmo no útero, um bebê que chutasse sua mãe já era um rebelde em potencial, à exemplo do texto bíblico que conta a história dos gêmeos Jacó e Esaú, que disputavam a primogenitura desde o ventre, e ao nascer, Jacó estava segurando o calcanhar do irmão, como quem tentava impedir que ele nascesse primeiro. Somente o próprio Deus ou o Messias poderia reverter uma maldição como esta, e por isso, no episódio do cego de nascença (João 9), os fariseus observavam com atenção Jesus curando aquele cego e dizendo que tudo era para a glória de Deus. Jesus deixou claro que aquela cegueira não precisava ser explicada, mas ressaltou que qualquer ser humano pode ser alvo da graça de Deus.
No texto bíblico de Atos a cegueira aparece novamente como um sinal interessante. Saulo, um judeu bastante instruído e conservador, tornou-se perseguidor dos cristãos. Um dia ele ficou cego ao ter uma visão do Senhor dizendo ser aquele a quem Saulo perseguia. Sua cegueira foi temporária, mas longe de ser apenas uma debilidade na visão, era uma expressão da condição de Paulo: ele estava totalmente cego pela sua religiosidade e pela incapacidade de reconhecer Jesus como o salvador. Pelo menos até que ele passasse pelo que passou. 
Curado da cegueira através da imposição das mãos de Ananias no capítulo 10 de Atos, ele passou a pregar pela região. No cap. 13, foi enviado  juntamente com Barnabé a Chipre. Chegando a Salamina, uma importante cidade de Chipre, pregava nas sinagogas, e ao atravessar a ilha e chegar na capital Pafos, encontrou o mago ou sábio judeu Barjesus ("filho da salvação” ou “filho de Jesus) ou Elimas, que quer dizer mago. Este homem, com suas palavras, tentava dissuadir o procônsul romano (governador da província) Sérgio Paulo da fé cristã.
As autoridades romanas gostavam de chamar representantes dos judeus para estarem ao seu lado prestando uma espécie de consultoria para assuntos religiosos ou outros temas relacionados ao povo judeu, que era relativamente numeroso em Chipre. Geralmente os magos judeus ocupavam cargos de confiança. Se Barjesus era um mago, como sinônimo de feiticeiro ou adivinhador, estava em rebeldia contra a Torá, misturando seus conhecimentos sagrados com superstições idólatras e, portanto, na lógica judaica, passível de maldição.
Se por outro lado o termo "mago" se referir apenas à sua posição de sábio religioso, (pois era comum na época associar a sabedoria ao conhecimento da astrologia e das artes mágicas), o fato de ser conhecedor das Escrituras deveria leva-lo a enxergar o caminho de Jesus. Mas isso não aconteceu. Parece-nos que ele era uma mistura dos dois. Dessa forma, percebemos que a visão dele já estava comprometida mesmo antes de a névoa mencionada no texto lhe sobrevir e tirar-lhe a visão.
Saulo, um judeu convertido que já esteve cego, agora se depara com outro judeu importante, que era talvez igualmente sábio, mas tão cego quanto Paulo foi. Barjesus era tão incapaz de enxergar o projeto de Deus, que não era digno nem de ser chamado de filho da salvação, e sim de Elimas, o falso profeta.
O apóstolo, o ex-cego Saulo/Paulo, olhou nos olhos do mago e sentenciou: "Ó filho do diabo, cheio de todo o engano e de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de perverter os retos caminhos do Senhor? Pois, agora, eis aí está sobre ti a mão do Senhor, e ficarás cego, não vendo o sol por algum tempo. No mesmo instante, caiu sobre ele névoa e escuridade, e, andando à roda, procurava quem o guiasse pela mão." (v. 10 e 11). Em outras palavras, Barjesus ficou sem saber o que fazer, porque sua cegueira estava exposta e evidente.
O governador viu literalmente que Paulo era capaz de olhar nos olhos e dizer a verdade, e se maravilhou e creu na doutrina do Senhor.  O olhar de Paulo revelava mais que uma opinião, refletia o encontro que teve pouco antes com o Senhor Jesus ressuscitado. Em contrapartida, o cego Barjesus ficou ainda mais cego.
Em tempos como os nossos em que sábios-cegos, como os pretensos representantes do evangelho no governo e na mídia, e os magos-aproveitadores que oferecem milagres a granel, tentam desvirtuar a fé do povo e não agem com justiça, precisamos como Paulo fez, olhar nos olhos deles e dizer que eles devem corrigir sua postura e se deixar curar de sua cegueira, como a de filhos do diabo! Paulo não condenou o fato de Barjesus ser judeu ou não, mas alertou para o fato de estar induzindo um ser humano ao erro, e principalmente, por se tratar de alguém que teria potencial de exercer a justiça em meio a um império cruel e ganancioso como Roma, para o bm de seu próprio povo.
Não adianta a igreja ter poder e reconhecimento se suas palavras não tiverem credibilidade, não estiverem baseadas na sabedoria do Reino de Deus. Conversão de verdade começa quando as escamas de nossos olhos caem e somos capazes de olhar nos olhos de outras pessoas, firme e ternamente, como aquele olhar que Jesus desferiu a Pedro quando foi preso, ou quando olhou nos olhos da mulher pega em flagrante adultério e a perdoou. Um olhar que confronta os pecadores e alivia os oprimidos é uma verdadeira expressão de cristianismo e um testemunho verdadeiro. Quando houver um "cego" em nosso caminho, é um sinal que Deus quer manifestar sua glória através de nós, mostrando a salvação e um caminho de justiça. Estamos cercados de mestres cegos pela própria vaidade e aspereza de coração que estão levando o povo simples à intolerância e se aproveitando de sua ingenuidade para defender projetos pessoais. Se não quiserem abrir os olhos, que fiquem cegos de uma vez, mas que sejam desmascarados. Quando for época de eleição, olhe bem em quem vai votar. Depois dela, não tire os olhos de seu representante que foi escolhido para trabalhar por todos.
Nossos olhos também precisam se voltar para as crianças e demais vítimas da violência, da fome, dos racismos, sexismos e toda sorte de explorações, sejam elas explícitas ou veladas. Não descuide da maldade para que nunca deixe de ser denunciada. O pecado do egoísmo se manifesta em forma dessas coisas.
Não faça como Barjesus e sim como Paulo: abra os olhos. Os seus e os de quem estiver por perto!

Sermão pregado na ICPB Jardim Palermo, SBCampo, 14.04.2013

Um comentário:

Unknown disse...

Bela mensagem e que Deus continue te usando sempre.